sábado, 25 de fevereiro de 2012
anti-elegia
a dor
sobrepõe-se ao silêncio
quase religioso
do azul sem nuvens
que
opressivo
derrama-se
sobre o vidro da janela
corrói e corrompe
conspurca a beleza do instante
numa concretude impalpável
indizivelmente real
Márcia Maia
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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
De gâlinha!
De gâlinha!
Tá fantasiado de quê, Tiquinho?, perguntavam, rindo, o
palhacinho e a ciganinha. De gâlinha!, respondia o indiozinho, que vira já
muitas galinhas nos seus dois anos de vida, mas nenhum índio. E riam os três
irmãos, felizes, sob o sol de Olinda, na manhã do seu primeiro carnaval. A vida
ria com eles, cheia de promessas de alegria. Como decerto ri, a cada ano, ao
ouvi-los, juntos, nas mesmas ladeiras, repetirem, em uníssono, pergunta e
resposta, rindo, a valer, da brincadeira.
Márcia Maia
para Felipe, Maria e Tiago, palhacinho, ciganinha e indiozinho, com todo o meu amor.
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das coisas boas da vida...
sábado, 18 de fevereiro de 2012
sem fantasia
enquanto lili toca a flauta no mercado
naná comanda mil maracatus
os reis do carnaval exibem para
uns poucos foliões a fátua majestade
e os meus dias de frevo se dissolvem
na chuva que incansável encharca a cidade
Márcia Maia
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
nem só de carnaval é fevereiro
as nuvens de tão baixas cobrem
o topo do edifício
que ainda não é bem um edifício
pois está em construção
nas ruas os carros se apressam
as pessoas se apressam
antecipando-se à chuva que
decerto há de cair
(...)
na calçada encolhidos
dois cachorros e um mendigo
fazem uns dos outros abrigo
para dormir
Márcia Maia
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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
quase um poema de amor
enquanto adormecido me abraças escuto teu coração
que me fala de cansaço algumas dores pequenos prazeres
do gol marcado aos quarenta e seis e meio do segundo tempo
da dor súbita fisgada na coxa
fisgada outra no peito que não sara
de histórias de ônibus e jardins
de estradas desertas noites estrelas
música às vezes lua à porta dos pequenos povoados
fala de metrô e poesia de filhos pequenos e crescidos
de amores sonhados vividos perdidos
beijos sem fim em parati jasmins de inverno
no sono teu braço me envolve mais próximo adormeço
e seguem-se segredos
como se teu coração apenas falasse de nós
dos sonhos que se escondem no avesso de teus olhos
onde rio onde ris e me amas — amas?
tua mão em meu rosto roçar ligeiro lábios teus meus
desperto
entre os lençóis vazios sinto o calor do teu sono ainda
na boca o gosto do beijo que foi sem nunca ter sido
Márcia Maia
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domingo, 5 de fevereiro de 2012
ternura
não são teus olhos
ou os traços do teu rosto
que me encantam
mas a luz que os ilumina
quando me olhas
que atenua as rugas
em meu rosto
e me devolve a doçura
que eu tinha
e se perdeu no outro lado
dos espelhos
Márcia Maia
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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
paz
o corpo sossega
nada há mais que espere
[o cheiro de terra molhada
roça lembrares antigos]
é tarde e é longe
chove
Márcia Maia
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um tolo desejo de azul
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